10 de jan. de 2019

Vocês disseram "esquerda"?

http://despertardominicano.com/cria-cuervos-y-te-sacaran-los-ojos/


 Cría cuervos que te sacarán los ojos















Rafael José dos Santos

As notícias que chegam de além Facebook Timeline é que um partido considerado “de esquerda” avaliou como inviável o apoio a Rodrigo Maia (DEM) porque seu nome obteve a adesão do PSL, partido do presidente da...da...república? Certo, apoiar Maia ficou inviável, não por seu papel no golpe de 2016, não pela história política do DEM (ex-PFL, ex-preencham-as-lacunas), mas porque ele obteve apoio do partido bolson-ariano. Uma possibilidade levantada pela presidência deste partido seria um acordo com o PMDB (sim, com “P” na frente), sim, o de Temer e de outros.

O critério demonstra que o nome de Maia seria, até então, uma opção. Nenhuma novidade, já aconteceu antes ... e foi depois do golpe. (Registre-se que alguns parlamentares desse partido não votaram em Maia).

Chega agora outra notícia, espero que seja falsa: outro partido “de esquerda” avalia a possibilidade de apoiar Maia que, para lembrar, tem o apoio do PSL. Sim, o partido “de esquerda” estaria ponderando a possibilidade de votar com o partido de Bolsonaro para eleger Maia. No cumprimento das tarefas revolucionárias, ombrear com a Direita! Nada de novo em um país que se esquece sistematicamente que Vargas foi um ditador. (Registre-se que uma deputada desse partido não votou em Maia da primeira vez).

A candidatura de Marcelo Freixo (PSOL), de acordo com a presidência deste outro partido, seria um “caminho que nos isola” (Google it, people!).

Ah, amo os significantes: “isola”, mas isola do quê? De quem?

Ambos os partidos “de esquerda” têm militantes e simpatizantes que conquistaram meu respeito ao longo dos anos, mas parte significativa das lideranças, confirmadas as notícias, não estariam a altura daquel@s que as apoiaram.

Sabemos quais são os pressupostos. Um deles, o velho “realismo político”, aposta nas alianças com deus e o diabo como forma de fazer frente às várias votações que o Congresso enfrentará neste e nos próximos anos. Confia-se, portanto, que no frigir dos ovos PMDB (com "P" mesmo), DEM e PSL estariam unânimes contra os "retrocessos". É isso? Ah, tem os cargos da Mesa Diretora também.

Qualquer outra estratégia é infantil, esquerdista e irresponsável, como se já não tivéssemos vários exemplos históricos, alguns recentes, outros nem tanto, de desastres decorrentes deste tipo de aliança.

O que me chama a atenção é que no caso dos dois partidos não se trata de uma prática inédita. Trata-se de um dos desdobramentos da ênfase no âmbito da política institucional, no caso, parlamentar (notem, eu escrevi “ênfase”) e da negação da construção de uma alternativa de luta na qual os mandatos sejam ecos e suportes dos movimentos de base, não o abrigo do caciquismo gauche.

A candidatura de Freixo “isola”, isso é bom sinal, sinal de que as pautas por ele representadas não cabem nas agendas do PSL, do PMDB (com “P” mesmo) ou do DEM.

Ficariam isolados, então, se buscassem outra saída? Sim, mas já estão isolados há tempos, não no mesmo sentido usado acima em relação a Freixo: estão isolados das lutas cotidianas no campo e na cidade, restringindo-se, em alguns casos, à prática do “aparelhismo” e/ou do apoio cada vez mais formal e midiático aos movimentos sociais e suas potencialidades em termos de transformações radicais na sociedade, transformações freadas pela “articulação entre horizonte reformista social-democrata e modelo de integração populista” apontadas por Vladimir Safatle em seu doloroso, mas certeiro, Só mais um esforço (São Paulo: Três Estrelas, 2017, p. 18).  

Para esta “esquerda”, buscar outra saída implicaria repensar radicalmente seus programas, suas metas, estratégias e táticas, algo que, ao que tudo indica, não será feito. Insistir-se-á nas velhas práticas, tentando obliterar contradições sob o manto das alianças mais que espúrias. Contradições devem ser superadas – superação no sentido dialético -, não apagadas ou relevadas, caso contrário nossa história seguirá sendo assombrada por espectros, de novo lembrando Safatle.

5 de jan. de 2019

CORPOS SUBMISSOS E PRECARIZAÇÃO DA VIDA


(ou porque as diferentes “falas” na Nova Ordem formam um só discurso – Parte I)

Rafael, 05/01/2019

Manifestantes em protesto no RJ, 2013 - Foto: Isabela Marinho / Portal G1


O exercício militar de “ordem unida” é uma das metáforas mais eloquentes da submissão dos corpos, assim como as antigas aulas de Educação Física, como as que eu tive no ciclo dos antigos primário, ginásio e colegial. Corpos uniformizados, movimentos sincronizados, marciais, obedientes a uma “voz de comando”.

Um vídeo do IPHAN sobre a Cachoeira Iauaretê traz uma sequencia de imagens significativas: missionários salesianos ministrando exercícios de ginástica, “polichinelos” para ser mais exato, a um grupo imenso de crianças indígenas, todas alinhadas em fileiras e usando uniforme branco, isso lá pelo final dos anos 1920. A Ordem exige que os corpos sejam uniformes, pois deixados livres trazem sempre a ameaça da subversão e da indecência indisciplinada.

As corporeidades construídas socialmente, conversões da natureza em cultura, devem, sobretudo, submeter-se à vontade do Outro. Não é permitido “fazer corpo mole”, nem “tirar o corpo fora”. Sempre bom relembrar Michel Foucault: “A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos 'dóceis'. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência)”.[1]

“Mente sã em corpo são”, armadilha retórica: sobriedade e postura para obedecer e movimentar-se conforme as regras e o tempo da utilidade e da produtividade. Engano pensar que a etapa da “acumulação flexível” dispensou a corporeidade e a temporalidade fordista no chão de fábrica, na construção civil, nos chamados serviços gerais, nos escritórios, no trabalho, enfim, há sempre a “verdade fisiológica” da qual fala Marx n’ O Capital, o trabalho como “essencialmente dispêndio de cérebro, nervos, músculos, sentidos etc. humanos”[2].

É necessário interpretar expressões como “trabalhar o corpo” (to work out): modelar, modelo, padrão, ou a terrível “no pain, no gain”, é imperativo submeter o corpo ao sofrimento, ao dispêndio incessante, inclusive no chamado tempo livre, lembrando Adorno, tempo extensão do trabalho, para a maioria é o pouco tempo que resta entre o ir-e-vir, o alimentar-se e a noite de sono, tudo pago pelo próprio corpo. Para outros, tempo de consumir tempo, ocupar-se de dispositivos que, cada vez mais, exigem o mesmo dispêndio do trabalho.

Na política, aquela que não se restringe à delegação da representação, quando vamos às ruas, são nossos corpos que levamos. Judith Butler, muito acertadamente, afirma:

“[...] quero sugerir que quando os corpos se juntam na rua, na praça ou em outras formas de espaço público (incluindo os virtuais), eles estão exercitando um direito plural e performativo de aparecer, um direito que afirma e instaura o corpo no meio do campo político e que, em sua função expressiva e significativa, transmite uma exigência corpórea por um conjunto mais suportável de condições econômicas, sociais e política, não mais afetadas pelas formas induzidas de condição precária”[3].

As vozes que levamos às ruas são também corpóreas. Penso aqui na ideia de “vocalidade” de Paul Zumthor[4], A Voz projeta o corpóreo no espaço. No caso das ruas, no espaço público. Corpos e vozes performativos, mas, sobretudo indóceis, desobedientes à Ordem. Corpos de todas as formas e cores que demandam muito mais que o fazerem-se presentes e visíveis com suas diferenças, corpos des-ordeiros que afirmam uma negação, corpos que re-existem.

Estas são algumas das razões da criminalização dos corpos, da exigência de suas uniformizações: é sobre nossos corpos que se inscreve a Lei. Corpos devem ser definidos pela lógica dual da Ordem, tudo que fuja ao azul ou rosa deve ser punido. Corpos são torturados para silenciar-se, não para falar. Para fazer calar uma voz, no limite, cala-se o corpo, assim fizeram com Marielle e centenas de outros corpos conhecidos ou anônimos.  



[1] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 27ª ed. Petrópolis: Vozes, 1987. p. 164 – 165.
[2] MARX, Karl. O Capital – Crítica da Economia Política. V. I, Livro 1. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1996. p. 197 – 198.

[3] BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. p. 17.

[4] Consultar ZUMTHOR, Paul. Introdução à poesia oral. São Paulo: Editora Hucitec, 1997.




4 de jan. de 2019

NOTAS DESINTERESSADAS E APARENTEMENTE CONTRADITÓRIAS SOBRE CORES



Rafael, janeiro/2019

















Gosto muito de vestir azul, principalmente azul escuro, blue-jeans. Gosto tanto quanto de blues, que tem as blue notes como no jazz, na voz de Billie Holliday (“Am I blue?”). Azul escuro é a cor de meu Orixá no Candomblé, Ogum, mas há muitas casas que adotam o verde, que por sinal é a cor de meu Guarani F.C, de Campinas/SP.

Não gosto de usar vermelho, nem compraria um carro vermelho. Na verdade tive um fusca vermelho, mas foi presente de meu pai. Pedi um Chevette zero e ganhei um fusca usado... e vermelho. 

Ideologicamente sou um “vermelho”, embora membros de alguns partidos só reconheçam seus camaradas como “vermelhos”. Tenho uma quedinha por uma Rosa que era chamada de “Rosa, A Vermelha”, e por um cara que comandou um exército Vermelho como Rosa.

O símbolo do meu partido é um sol vermelho, muito simpático por sinal, e a sigla também está em vermelho, mas a bandeira é amarela, que também é a cor de meu segundo Orixá no Candomblé: Oxum, amarelo ouro.

De roupas e acessórios rosa confesso que não gosto para mim, escolha que certamente foi construída socialmente (de resto, como qualquer gosto), fica bem em outras pessoas, como as meias rosa de Michel Maffesoli e sua charmosíssimas gravatas borboletas, mas não sou um admirador tout court das ideias dele.

As cores do Arco-Íris são lindas e sua transformação em símbolo foi uma das ideias mais geniais que já vi. Tenho amigxs, camaradas, irmãs e irmãos “de santo” de todas as cores e amo todxs, é bom amar, não é? 

Ah, gosto de cinza, mas não de dias cinzentos como está agora, exatos 15h05 do dia 4/1/2019 que é uma sexta-feira, no candomblé dia de Oxalá, o senhor do Pano Branco, com quem tenho um segredo que, óbvio, sendo segredo não conto. Posso contar outra coisa: que para começar qualquer começo, atravessar caminhos, portas e portões, para tudo isso tenho que reverenciar o vermelho-e-preto, se não nada é feito ou desfeito.

Restam as goiabas que, como vocês sabem, nascem das goiabeiras. Como sempre fui muito urbano, não conheço a variedade de tipos de goiabas e goiabeiras, não tenho muito a dizer sobre elas e suas cores, nem sobre pessoas ensandecidas que sobem nelas e falam bobagens sobre cores. Sei que as folhas são de Ossain, verdes, e se estão no meio da mata são domínio de Oxóssi, azul claro, meu terceiro Orixá.

Do azul escuro ao claro, é tudo que sei sobre cores, ou pelo menos é o que posso dizer. Sobre Socialismo (uma etapa! uma etapa!) e fé nos Orixás, sobre isso escrevo depois.

Lênin sim!

(Rafa) Tatiana Dias e Rafael Moro Martins, autores do artigo " ELOGIAR DITADORES É A MELHOR MANEIRA DE A ESQUERDA CONTINUAR ...