Poema - Oriki lido no Dia da Consciência
Negra
Rafael José dos Santos
Promoção: Manifesta Negro
Local: UAB Cultural, Caxias do Sul,
20/11/2013
Quero cumprimentar vocês,
evangélicos, católicos, umbandistas, de
“nação”, batuque,
e das “nações” do candomblé;
kardecistas e ateus,
quero saudá-los:
boa noite para todas/todos,
à benção,
motumbá,
colofé,
saravá,
mukuiú.
A todos e todas peço ago (licença) para não
falar como antropólogo, ou, pelo menos, não só como antropólogo, mas como
Rafael "omo orixá" iniciado no Ilê Axé Nago Aya Saponan, Campinas, SP. Meu pai
(Babalorixá) faleceu, foi embora para o Orun este ano, e agora me encontro
passando para outras águas.
Existem rezas, narrativas poéticas yourubás
chamadas Orikis, que são de diferentes tipos. Tomei a liberdade, então, de
criar uma espécie de Oriki:
Um oriki para esta noite
Meus deuses e minhas deusas são negros,
negras.
Não estavam aqui
nem nasceram aqui.
chegaram pelo Atlântico,
fronteira que hoje divide e une,
mas que um dia foi rota de tristeza.
Os “Senhores do Esquecimento”
desejaram
transformar deusas e deuses em silêncio,
expulsá-los da História.
Mas eles viajaram clandestinos
nas memórias, nas almas, nos corações,
nas mentes e nas saudades,
e em cada uma de suas muitas histórias,
em cada segredo guardado,
(sobre as folhas, sobre as pedras, sobre a
vida)
em saberes que se sabe porque se ouve,
se sabe porque se canta.
Não era coisa de saber de escrito,
como a história dos “Senhores do
Esquecimento”.
Vieram
Os bantos e seus
nkices,
Os jêjes e seus
voduns,
Kabinda, Ijexá.
Yorubás-nagôs.
Do Reino de
Kêtu, minha nação,
vieram as
princesas:
Nasceu o Ilê
Axé Iya Nassô Oká,
A Casa Branca do
Engenho Velho,
de onde saíram
o Ilê Iyá Omin Axé
IyáMassê,
o Gantois de mãe
menininha,
de Mãe Senhora,
onde hoje reina, soberana,
mãe Stela de Oxóssi,
Odé Kayode.
Aqui,
na roda das
muitas histórias,
as fusões
de falares, de
cantos,
de sons e
aromas,
atabaques e
cores.
Juntaram-se
caboclos, pretos
velhos, encantados,
na gira sagrada
de meus irmãos da Umbanda.
Deusas, deuses.
os meus, os nossos,
guerreiam, tomam-se de ira ou compaixão,
caçam, pescam, banham-se nas cachoeiras, no
mar,
caminham pelas matas,
apaixonam-se, geram filhos, deuses, deusas,
deixam-se trair pelos desejos.
Ora sensuais, ora castos,
são pais e mães,
devotados a quem os devota.
Eles dançam! Meus deuses e deusas dançam !
Chegam com arrebatamento ou suavidade,
chamados pelos toques das mãos de couro dos
ogãs,
pelos adjás de ekédis, iyalorixás,
babalorixás,
eles vêm do Orun para o Ayé,
e só sabe mesmo quem viu.
Para saber de seus desejos e vontades,
é preciso conhecê-los em cada
história que se revela
das tantas histórias, Itan-Ifá
na peneira, nas quedas nos búzios
ou do colar, IpelêIfá.
Muitos Odús, muitos destinos,
segredos de Orunmilá,
Mas vêm os Orixás dançar na terra, no Ayé:
Vem Exú! Elegbará.
(não, moço, ele não é demônio:
demônio e demônios são aqueles
cujas mãos empunharam e empunham a chibata
até hoje).
Exú é mensageiro entre o Orun e o Ayé,
aquele a quem se deve dar de comer antes de
todos,
senhor das passagens,
das encruzilhadas,
do movimento,
da transformação.
Laroiê, Exú!
Vem Ogum, senhor de minha cabeça.
Deve-se sempre evitar sua fúria,
pois sua espada guerreira é implacável.
Senhor dos ferros, da metalurgia,
Ogun iê! Patacuri!
*********
Vem Oxóssi, Odé,
Rei de Kêtu, rei de minha nação!
Dono das matas,
caçador de uma flecha só.
Okê Arô!
Oxóssi traz seu filho
Logunedé.
Caçador como seu pai,
pescador nas águas de sua mãe Oxum.
Logun!
***********
Irôco!
Árvore primeira de Olorun,
tronco sagrado.
Iroko Issó! Eró! Iroko Kissilé.
*****
E chega Xangô,
Grande rei de Oyó,
fogo e trovão,
Deve-se ter cuidado ao pedir-lhe justiça,
pois ele a fará!
Kaô kabieci ilê obá!
******
Vem Omulú,
Xapanã.
Oba ylú aiê:
o dono da terra.
Seu rosto não pode ser visto.
Ele dança o opanijé
e seu bastão de palha-da-costa e búzios
define
a doença e a cura.
Ajiberô, atotô!
*********
Com seu arco-íris e sua serpente
Chega Oxumaré, que é Dã no Daomé.
Feminina e masculino,
Ele/ela leva e traz a água das chuvas,
Dono/dona do cordão umbilical.
Arôboboi !
*********
Chega no xirê dos orixás
Ossain, Ossanha.
Senhor das plantas e de seus segredos.
Seus filhos sabem rezar as folhas
que curam.
Ewêó !Ossain!
********
Arrebatadora,
vem Yansã, Oyá!
Guerreira, senhora dos ventos e tempestades.
Ela vem do rio Odó Oyá,
Eparrei oyá!
*********
Obá também é nome de rio,
Obá, obá ixí!
Terceira mulher de Xangô,
sua dança é a dança da guerra, espada e
escudo,
esconde em sua dança uma orelha cortada.
Por conta de uma peça que lhe pregou Oxum.
Oxum, minha mãe.
São suas as águas doces, é seu o ventre que
gera o filho, é seu o ouro,
a cachoeira,
sensual, cheia de dengos,
Ora iê iê ô!
**********
Ewá, que é “beleza” em ioruba,
coragem na guerra, mulher determinada,
também domina as águas.
Riró, ewa!
Yemanjá.
Yéyé Omo ejá: “a mãe cujos filhos são
peixes”,
são seus os mares.
Guerreira,
É Yemanjá Ogun-té,
Idosa, alquebrada pelo tempo,
é Yemanjá Assabá.
Odo iyá, odo fé yabá!
*************
Todos respeitam quando chega...
a velha senhora Nanã buruquê, saluba Nanã!
Seus domínios, as águas profundas, os
pântanos:
calma e benevolência, diz Pierre Verger,
Fatumbi Xangô Omi.
********
Ao final,
vem Oxalá, êpe êpe bábá!
se jovem,
Oxaguiã, chega com o pilão do inhame, dança ágil.
Já o velho é
o Grande Senhor do Pano Branco,
o Rei de
Ifon:
Orixá Olufon
O Alá, que
todos suspendem para proteger seu caminhar
Lento, como
o andar do Igbi, seu caracol.
***********
Olorun,
O dono do
Orun.
aquele que
ordenou a criação do mundo a Oxalá - Obatalá,
(o que é uma
outra história),
este não vem
dançar,
mas olha pelos
que olham por seus filhos orixás.
Deusas,
deuses,
São muitos
mais do que
contei
nesse oriki.
Mas, moços e
moças, tem uma coisa, não se enganem:
Eles e elas abençoam,
trazem o axé,
mas não se
rendem
aos “Senhores
do Esquecimento”,
às chibatas
de ontem e de hoje,
porque vivem
em nossos oris,
Porque vêm
dançar conosco e
dançamos com
eles,
para eles.
porque os
carregamos em cada caminhada,
em cada
batalha da guerra,
em cada
pausa da paz.
Organização dos slides para a apresentação: Mirella Honorato