27 de nov. de 2013

Poema-oriki falado no Dia da Consciência Negra - 20/11/2013 - Caxias do Sul



Poema - Oriki lido no Dia da Consciência Negra

Rafael José dos Santos

Promoção: Manifesta Negro

Local: UAB Cultural, Caxias do Sul, 20/11/2013


Quero cumprimentar vocês,
evangélicos, católicos, umbandistas, de “nação”, batuque,
e das “nações” do candomblé;
kardecistas e ateus,
quero saudá-los:
boa noite para todas/todos,
à benção,
motumbá,
colofé,
saravá,
mukuiú.

A todos e todas peço ago (licença) para não falar como antropólogo, ou, pelo menos, não só como antropólogo, mas como Rafael "omo orixá" iniciado no Ilê Axé Nago Aya Saponan, Campinas, SP. Meu pai (Babalorixá) faleceu, foi embora para o Orun este ano, e agora me encontro passando para outras águas.

Existem rezas, narrativas poéticas yourubás chamadas Orikis, que são de diferentes tipos. Tomei a liberdade, então, de criar uma espécie de Oriki:



Um oriki para esta noite

Meus deuses e minhas deusas são negros, negras.
Não estavam aqui
nem nasceram aqui.
chegaram pelo Atlântico,
fronteira que hoje divide e une,
mas que um dia foi rota de tristeza.



Os “Senhores do Esquecimento”
desejaram transformar deusas e deuses em silêncio,
expulsá-los da História.

Mas eles viajaram clandestinos
nas memórias, nas almas, nos corações,
nas mentes e nas saudades,
e em cada uma de suas muitas histórias,
em cada segredo guardado,
(sobre as folhas, sobre as pedras, sobre a vida)
em saberes que se sabe porque se ouve,
se sabe porque se canta.
Não era coisa de saber de escrito,
como a história dos “Senhores do Esquecimento”.



Vieram
Os bantos e seus nkices,
Os jêjes e seus voduns,
Kabinda, Ijexá.
Yorubás-nagôs.

Do Reino de Kêtu, minha nação,
vieram as princesas:
Iyá Detá, Iyá Kalá, Iyá Nassô.
Nasceu o Ilê Axé Iya Nassô Oká,
A Casa Branca do Engenho Velho,
de onde saíram
o Ilê Iyá Omin Axé IyáMassê,
o Gantois de mãe menininha,



de Mãe Senhora,
onde hoje reina, soberana,
mãe Stela de Oxóssi,
Odé Kayode.

 

Aqui,
na roda das muitas histórias,
as fusões
de falares, de cantos,
de sons e aromas,
atabaques e cores.



Juntaram-se
caboclos, pretos velhos, encantados,
na gira sagrada de meus irmãos da Umbanda.



Deusas, deuses.
os meus, os nossos,
guerreiam, tomam-se de ira ou compaixão,
caçam, pescam, banham-se nas cachoeiras, no mar,
caminham pelas matas,
apaixonam-se, geram filhos, deuses, deusas,
deixam-se trair pelos desejos.
Ora sensuais, ora castos,
são pais e mães,
devotados a quem os devota.



Eles dançam! Meus deuses e deusas dançam !

Chegam com arrebatamento ou suavidade,
chamados pelos toques das mãos de couro dos ogãs,
pelos adjás de ekédis, iyalorixás, babalorixás,
eles vêm do Orun para o Ayé,
e só sabe mesmo quem viu.



Para saber de seus desejos e vontades,
é preciso conhecê-los em cada
história que se revela
das tantas histórias, Itan-Ifá
na peneira, nas quedas nos búzios
ou do colar, IpelêIfá.
Muitos Odús, muitos destinos,
segredos de Orunmilá,


Mas vêm os Orixás dançar na terra, no Ayé:



Vem Exú! Elegbará.
(não, moço, ele não é demônio:
demônio e demônios são aqueles
cujas mãos empunharam e empunham a chibata até hoje).
Exú é mensageiro entre o Orun e o Ayé,
aquele a quem se deve dar de comer antes de todos,
senhor das passagens,
das encruzilhadas,
do movimento,
da transformação.
Laroiê, Exú!



Vem Ogum, senhor de minha cabeça.
Deve-se sempre evitar sua fúria,
pois sua espada guerreira é implacável.
Senhor dos ferros, da metalurgia,
Ogun iê! Patacuri!

*********



Vem Oxóssi, Odé,
Rei de Kêtu, rei de minha nação!
Dono das matas,
caçador de uma flecha só.
Okê Arô!
Oxóssi traz seu filho
Logunedé.


Caçador como seu pai,
pescador nas águas de sua mãe Oxum.
Logun!

***********


Irôco!
Árvore primeira de Olorun,
tronco sagrado.
Iroko Issó! Eró! Iroko Kissilé.

*****
E chega Xangô,



Grande rei de Oyó,
fogo e trovão,
Deve-se ter cuidado ao pedir-lhe justiça,
pois ele a fará!
Kaô kabieci ilê obá!

******
Vem Omulú,
Xapanã.



Oba ylú aiê:
o dono da terra.
Seu rosto não pode ser visto.
Ele dança o opanijé
e seu bastão de palha-da-costa e búzios define
a doença e a cura.
Ajiberô, atotô!

*********

Com seu arco-íris e sua serpente
Chega Oxumaré, que é Dã no Daomé.



Feminina e masculino,
Ele/ela leva e traz a água das chuvas,
Dono/dona do cordão umbilical.
Arôboboi !

*********
Chega no xirê dos orixás
Ossain, Ossanha.



Senhor das plantas e de seus segredos.
Seus filhos sabem rezar as folhas
que curam.
Ewêó !Ossain!

********
Arrebatadora,
vem Yansã, Oyá!



Guerreira, senhora dos ventos e tempestades.
Ela vem do rio Odó Oyá,
Eparrei oyá!

*********
Obá também é nome de rio,
Obá, obá ixí!


Terceira mulher de Xangô,
sua dança é a dança da guerra, espada e escudo,
esconde em sua dança uma orelha cortada.
Por conta de uma peça que lhe pregou Oxum.




Oxum, minha mãe.
São suas as águas doces, é seu o ventre que gera o filho, é seu o ouro,
a cachoeira,
sensual, cheia de dengos,
Ora iê iê ô!

**********
Ewá, que é “beleza” em ioruba,



coragem na guerra, mulher determinada,
também domina as águas.
Riró, ewa!

**********
Yemanjá.



Yéyé Omo ejá: “a mãe cujos filhos são peixes”,
são seus os mares.

Guerreira,
É Yemanjá Ogun-té,

Idosa, alquebrada pelo tempo,
é Yemanjá Assabá.
Odo iyá, odo fé yabá!

*************

Todos respeitam quando chega...
a velha senhora Nanã buruquê, saluba Nanã!



Seus domínios, as águas profundas, os pântanos:
calma e benevolência, diz Pierre Verger,
Fatumbi Xangô Omi.

********
Ao final, vem Oxalá, êpe êpe bábá!

se jovem, Oxaguiã, chega com o pilão do inhame, dança ágil.


Já o velho é o Grande Senhor do Pano Branco,
o Rei de Ifon:
Orixá Olufon



O Alá, que todos suspendem para proteger seu caminhar
Lento, como o andar do Igbi, seu caracol.


***********
Olorun,
O dono do Orun.



aquele que ordenou a criação do mundo a Oxalá - Obatalá,
(o que é uma outra história),
este não vem dançar,
mas olha pelos que olham por seus filhos orixás.
Deusas, deuses,
São muitos mais do que
contei
nesse oriki.


Mas, moços e moças, tem uma coisa, não se enganem:

Eles e elas abençoam, trazem o axé,
mas não se rendem
aos “Senhores do Esquecimento”,
às chibatas de ontem e de hoje,
porque vivem em nossos oris,
Porque vêm dançar conosco e
dançamos com eles,
para eles.
porque os carregamos em cada caminhada,
em cada batalha da guerra,
em cada pausa da paz.
Axé!



 Organização dos slides para a apresentação: Mirella Honorato

Lênin sim!

(Rafa) Tatiana Dias e Rafael Moro Martins, autores do artigo " ELOGIAR DITADORES É A MELHOR MANEIRA DE A ESQUERDA CONTINUAR ...