A canonização do bispo salvadorenho Dom Romero me emocionou,
pois lembro que chorei seu assassinato em 1980. Naquele ano eu já havia deixado
a prática católica, mas admirava aquela figura corajosa, assim como admirava Ernesto
Cardenal e Leonardo Boff pela radicalidade de suas posições na luta por justiça
e igualdade.
A emoção com certeza é fruto também de marcas do cristianismo que
ficaram em mim, pois somos feitos pela nossa história, as palavras de nossas
biografias não se apagam por completo. Nunca.
Meu primário foi em colégio salesiano, mas desde muito cedo,
criança mesmo, minha formação religiosa se deu no convívio com padres
estigmatinos (da Congregação dos Sagrados Estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo),
na Igreja de São Benedito em Campinas, SP. Aos 13 anos ingressei na Comunidade
de Jovens, fiz cursinho T.L.C (Treinamento de Liderança Cristã), aprendi a
cultivar a espiritualidade.
Alguns de nós chegamos também a flertar com o nascente
movimento da Renovação Carismática que foi levada a Campinas por jesuítas como
Haroldo Rahn e Eduardo Dougherty (que aportuguesaram seus primeiros nomes).
Hoje entendo o sentido daquele movimento como reação à Teologia da Libertação,
mas ficou algo dele também como marca, penso que certo sentido do ato de “orar”.
Houve uma época, lembro-me bem, que nós, jovens, assistimos ao
filme “Irmão Sol, irmã Lua”, história de Francisco de Assis, e fomos arrebatados
pela visão de mundo e pela mística franciscana.
De todas as marcas, esta foi a que ficou mais impregnada em mim.
Lembro-me que seis anos após meu afastamento do catolicismo conheci a obra de
Leonardo Boff e cheguei a me envolver tanto em sua leitura que escrevi uma
carta a ele. A resposta, ainda em tempos de correspondência manuscrita, me
chegou. Infelizmente perdeu-se com outros papéis. O tema? O assunto? Vocação!
Como tive muitas “vocações”, muitos chamados, aquele fervor
franciscano não se transformou em opção de vida e outras formas de
espiritualidade tomaram seu lugar, mas ah...sim, deixou marcas.
Em tempos difíceis para o Brasil, com a ameaça às
liberdades, com o ódio sendo esbravejado e materializado em assassinatos e
agressões, eu, enfrentando certo abatimento, permito que as marcas de Francisco
de Assis aflorem, revivam em meu espírito. Inclino-me em prece ao novo santo e
peço a ele que interceda por nós.
Contradição? E quem não traz em sua biografia marcas
contraditórias e ambíguas?
Pax et bonum!
Pax et bonum!
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